Microcrédito: cliente ou beneficiário?

Programas de microcrédito vêm acompanhados de muitas promessas. Espera-se que o microcrédito gere profundos impactos de natureza econômica e social junto aos seus clientes, denominados paternalisticamente de beneficiários, uma vez que ele é propagado como um instrumento para suprir deficiências de políticas sociais e um paliativo para as consequências sociais negativas de desequilíbrios macroeconômicos.

Ao contrário de uma transferência de renda de um programa social, um (micro)crédito não pode ser caracterizado como um benefício. Ao denominar o cliente como beneficiário cria-se um curioso paradoxo: beneficiário de uma dívida?

Não se trata de uma questão semântica de menor importância. A denominação beneficiário reflete também uma incompreensão do potencial – e dos limites – do microcrédito como instrumento de inclusão financeira.

Nesses programas de microcrédito (geralmente públicos ou com forte influência governamental), espera-se que o “beneficiário” atue como um empreendedor schumpeteriano, utilizando o crédito para investir, colocando em marcha um processo inovador, independentemente de acumulação prévia de capital.

Entretanto, as evidências empíricas demonstram que, na clientela do microcrédito, não predomina o Empreendedor mas sim o Wirt, na acepção schumpeteriana.

Quem é o Wirt?

Wirt é dono de seu próprio negócio, realiza uma atividade econômica autônoma, muitas vezes informal, e autofinanciada com poupanças próprias ou de parentes e amigos. Em sua grande maioria a atividade produtiva independente não é fruto de um “espírito empreendedor”, mas sim da difícil luta cotidiana pela sobrevivência.

Além de conhecerem o seu ramo de atividade, outra característica importante do Wirt é a sua orientação voltada primordialmente para a reprodução, sem grandes expectativas de acumulação. Isto explica porque somente uma pequena parte da demanda por microcrédito destina-se a investimentos em máquinas e equipamentos. Para a grande maioria de sua clientela — composta por Wirt — a função preponderante do microcrédito é fornecer capital de giro para cobrir dificuldades momentâneas de liquidez ou para aproveitar chances de eventuais negócios favoráveis.

Não por último, a expectativa de fortes impactos econômicos e sociais do microcrédito — e o consequente esforço de medi-los por meio de análises de impacto tradicionais — tem origem no equívoco de conceber o cliente típico do microcrédito como um empreendedor schumpeteriano.

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